São dois que escrevem. Ou são um? Ouçam um. Ouçam os dois. É para se ler com os ouvidos, mas nunca se esqueça: não se prenda às palavras.

12.25.2006

E o país cresce! (parte 3)

Mais um pouco, e o motorista do misterioso ônibus da plataforma 12 chega ao veículo.
O povo aplaude e grita. Alguns esboçam uma maior agressividade verbal, mas tudo esbarra no denso tom de deboche da maioria. A alegria de saber que a hora de partir estava chegando, superava a raiva do tempo que foi necessário esperar.

E assim foi.

Em uma certa altura, aquela preocupação inicial com as bagagens já era mais relaxada. Depois de duas horas de espera, todo mundo ali já era cúmplice.

- Vou ali falar com o rapaz da empresa, você pode olhar a minha mala pra mim.

- Claro garoto, vá lá tranquilo! Respondeu uma senhora de cabelos brancos que pela idade não deveria estar a tanto tempo de pé.

Mais um ônibus que sai, mais um que chega e o movimento aos poucos vai diminuindo.

Meu ônibus devia ser um dos últimos do dia. Era pra sair 00h10, mas às 02h30 ele encostou na plataforma 9.

- 9, porque 9?

- É pra agilizar o serviço meu garoto, eu também quero ir pra casa pra aproveitar o natal.

Era a resposta de um dos tantos senhores que trabalhavam ali na área de embarque e que durante todo esse tempo ficaram em movimento. No meio de toda aquela multidão, eram eles que tinham que colocar as bagagens nos ônibus, alcalmar os passageiros mais aflitos e resolver todo tipo de pepino que aparecesse.

Os caras trabalharam feito loucos.

E deviam ter começado bem cedo.

Um alívio. Antes de embarcar, nós, os passageiros do ônibus 00h10 com destino a Marília, nos olhávamos e ríamos uns para os outros como se nos conhecêssemos há muito tempo.

Aquela espera foi uma eternidade. Durante aquelas duas horas até ensaiei uns alongamentos, coisa que muitos ali também fizeram , mas a dor na solá do pé era inevitável.

Quando sentei na poltrona mal acreditei. Era a coisa mais macia e confortável que eu poderia encontrar naquele momento. Na fileira do lado, uma mãe dividia com suas duas filhas a dupla de poltronas. Uma senhora do banco da frente perguntou para a mulher que estava sentada bem no vão entre as duas poltronas se aquilo ali estava confortável.

- Nossa, está ótimo, muito bom! Respondeu a mãe das duas meninas.

E devia estar mesmo.

O assunto no ônibus era o mesmo. Ninguém acreditava no que tinha se passado durante as últimas duas horas.

- Depois dizem que os aeroportos é que estrão em crise! Gritou uma voz esganiçada no meio da escuridão.

E todos riram com um certo alívio.

O motor foi ligado, a ré acionada e o famigerado ônibus finalmente estava em movimento. Àquela altura, o terminal já estava vazio. Sim, éramos os últimos. Pela janela, pude ver muita sujeira. Embalagens de todo o tipo de salgadinhos, latas e papéis agora tomavam conta daquele cenário que a poucas horas estava repleto de corpos, angústias, anseios, risadas e histórias.

Tanto esforço para poder passar um feliz natal, para poder reencontrar a família, para poder levar o xampú para casa. Lembrei até do filme "A Marcha dos Pingüins". Aquela saga toda que as pobres aves cumpriam para sobreviver, não chega a fazer tanta "inveja" à luta que às vezes travamos para conquistar esse mesmo objetivo.

Ali, naquele dia, me senti um pingüim. Um pingüim tropical e impotente diante das situações que o Brasil nos faz passar.

Isso, porque eu e boa parte dos passageiros daquela fatídica véspera de natal da Barra Funda e de tantas rodoviárias e aeroportos do Brasil, podemos ser considerados privilegiados.

Nessa terra, muita gente é muito mais pingüim do que imaginamos.

Tive total certeza de que hoje vivemos em um país onde a população cresce, assim como cresce seu poder de compra, mas que todo esse crescimento ainda esbarra em muitos problemas estruturais.

Mas não tem problema não. Enquanto as coisas vão se ajeitando, a gente vai por aqui caminhando e às vezes até parando para rir da prórpia desgraça.

E assim, o país cresce...

- FIM -

1 Comments:

Blogger marcos.cangiano@gmail.com said...

AO!

Que caos construtivo esse não?

Feliz Ano Novo!

10:07 da manhã

 

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