São dois que escrevem. Ou são um? Ouçam um. Ouçam os dois. É para se ler com os ouvidos, mas nunca se esqueça: não se prenda às palavras.

11.01.2006

Sobre ela e os sentimentos

Ela era ainda uma menina e não conhecia aquele sentimento. Quando conheceu foi um pouco arrebatador – descobriu que era muito mais do que pensava, era tanto quanto diziam. Ela tinha aquela velha mania de achar que certas coisas simplesmente não existiam, apesar das obviedades. Em pouco tempo, passou a achar que tinha uma doença. Só podia estar completamente equivocada em relação a tudo. Mas a agora moça estava certa: era uma patologia social, enraizada nas pessoas, inconscientemente parte de todos.

Ela tinha crescido em meio à novela das oito e aos contos machadianos e rodriguianos. Ah, Nelson Rodrigues: sexo, amor, traição e tragédia. Quanta tragédia. A dor e a morte anunciadas por questões amorosas. De repente chega Machado e sua antológica Capitu. Aquela, dos olhos de ressaca. Afinal, ela traiu ou não Bentinho? Questões da humanidade. E Luisa então... pobre burguesa encantada com as peripécias de seu primo Basílio. Traição, traição, traição. Nas novelas, nos filmes. E aquele que vendeu a mulher por 1 milhão de dólares? Ambição. Questões da humanidade.

Dizem que Nietzsche enlouqueceu por uma mulher. Foi renegado pela bela Salomé, que havia lhe dado esperanças. Essas mulheres... Em compensação, nosso Vínicius se casou nove vezes e diz que amou a todas intensamente. Doce malandro. Que não seja imortal, posto que é chama; mas que seja infinito enquanto dure. Poeta.

Quanta poesia há nisso tudo que ela não conhecia. Quanta poesia ela teve que aprender na marra. Poesia que vira vida. Que não acaba em final feliz como nos filmes e nem em tragédia como nos livros (a não ser que seja a vida de Nietzsche ou Virgina Wolf). Na vida de todo mundo que é vivida a cada dia. Hoje, ela respira fundo. Precisa pensar em poesia antes de cair no abismo que o arrebatamento encerra. Um moço diz que o sentimento é algo como posse. Isso explica. Quanto de posse há na humanidade. Boa ou ruim, está intrínseca na maioria dos mortais.

Posse caminha ao lado dos outros sentimentos, e ela pensa, pensa, pensa... Termina de ajeitar o cabelo, passa rímel e sai da frente do espelho. Tem a vida inteira pra tentar entender as questões da humanidade.