São dois que escrevem. Ou são um? Ouçam um. Ouçam os dois. É para se ler com os ouvidos, mas nunca se esqueça: não se prenda às palavras.

10.27.2006

Impressões I

O quão longe... Até onde podemos ir? Até o infinito atrás de nossas vontades e até, quem sabe, em busca de nós mesmos. Não estamos sozinhos. É uma boa lição. Por mais que se queira, por mais que se esforce, a solidão parece querer companhia. Há seres-humanos tão humanos que dá a impressão que os conhecemos de algum lugar. Esperanza fala tanto e acha tudo tão lindo que nos é familiar. Tereza com sua quase rebeldia, um ar resmungão e um jeito às vezes infantil, nos faz lembrar a adolescência. A adolescência com que, de repente, nos deparamos no espelho mesmo quando já crescidos. E Jesus nos faz lembrar... Jesus! Caricata de tão natural. Do nada surge e com o nada se vai.
Uma viagem que flui, assim como o caminho, assim como os países latinos. Que simplesmente continuam, se deixam levar. Sim, há alegoria. Esperança é o nome de nós todos.



Sobre o filme "Que tan lejos", da equatoriana Tania Hermida. Exibido na 30ª Mostra internacional de Cinema de São Paulo.

10.25.2006

Morro Queimado

Bom dia. Sufocante. Seco. Agora anda assim. Um calor que me trinca os olhos. Daqueles de surpreender o cerrado. E aqui na selva de pedra, tudo é mais pesado. Dez minutos de rua e a primeira gota já brota na testa. Logo cai com o balanço da lombada. É hora de condução lotada. Acabo de levantar e já estou acabado. Cotovelo na borracha e cabeça no vidro. O Sol queima a cara e o calor aumenta numa rajada. Entrou pela janela. Tive tempo de abaixar. E mais nada.

Difícil abrir os olhos. Fumaça densa. Às vezes clara, na maioria escura. Aquilo sim era quente. Ardia e tossia. Favela do Morro Queimado. Estava sempre ali no trajeto. O cheiro não me estranhava. O que era? Era churrasco, mas não era, claro que não era. Era muita fumaça. Mas era cheiro forte de churrasco. De carne queimada. Mas não era. Era incêndio. E dos bravos. Tinha sirene, tinha bombeiro, tinha desespero. Talvez um açougue. Só podia. Bem que podia. Era carne queimada.

Já tonto. Tanto. Tentei levantar. Levanto e o movimento fica para trás. Passou. Agora eu fedia. Fedi o dia todo. Tentei me lavar no banheiro. O calor ainda batia. E foi assim o tempo inteiro. Até o sol cair. E caiu a noite. Ficou o bafo. Fui pra casa acabar mais um. Na TV, notícia. Descobri. Incêndio já era rotina. No primeiro bloco um outro. Maior ainda. Uma fábrica da zona sul. Bloco. Intervalo. Bloco. Intervalo. Morro Queimado. Onze e meia da noite. Meu faro não me tapeia. Era carne queimada, mas não era de boi, nem de porco, nem de galinha. Uma família de doze não fugiu do barraco. Boa noite.

10.23.2006

A hora certa

Às vezes elas soam ásperas, ríspidas, duras, feias mesmo. Às vezes são lindas, doces, cheirosas, soam como música para os ouvidos. Às vezes significam mais do que pensamos ao expressá-las. Em outras, significam menos, muito menos... Em todas são uma tentativa de representar o que de mais intrínseco há em todos nós. Julgamentos, desejos, cóleras, amores, desamores, sensações pequenas, médias, enormes... Emoções.
Elas parecem como deviam parecer, soam como deviam soar. Mais, ou menos; é assim que precisavam ser ditas, naquele dia, naquele momento. Se acertadas ou erradas... O conserto do dito cabe há outro concerto...

Ah! Não se prenda aos autores também.